domingo, 30 de dezembro de 2007

Coleccionismo para totós (2007 revisto)

Não há razão para pânico ou histerias. Não vale a pena correr a esconder para debaixo da mesa mais próxima, vender todas as acções em desespero ou deitar a toalha ao chão. As coisas mudam, mas nem sempre mudam para muito pior.

A situação aconselha prudência. Miguel Pais do Amaral vai compondo o ramalhete de editoras, qual apaixonada coleccionando declarações de pretendentes; os editores em pré-reforma engordam a conta bancária, embarcam na aposentação dourada para a qual trabalharam toda uma vida. (E quem os pode censurar, verdadeiramente?) Quem sobra nesta história de demandas quixotescas, negociações ferozes, batidas com a porta por parte de editores, lacrimejar de donzelas ofendidas, lamentações, choro e ranger de dentes?

Meus amigos, quem vai sofrer, quem já começou a sofrer, são as centenas de pessoas que foram e irão para as ruas durante os meses que se avizinham. A concentração empresarial e o monopólio têm o sabor de um whisky velho para quem vai enriquecendo e o gosto amargo do fel para quem desespera perante a possibilidade de desemprego. Não há razão para pânicos ou histerias? Quem por lá tiver de passar, passará, alguém acha que pensa de modo diferente quem trata da vida de pessoas como se fossem “peanuts”? O caridoso coração de Pais do Amaral estremece ao ouvir os rumores de que um negócio gigantesco, no espaço de um ano ou dois, se prepara, entre ele e a Bertelsman. De bom-grado o empresário se dispôs a fazer o jogo sujo de angariar, cortar a eito (património, capital, pessoas) e depois compôr tudo muito bem composto para oferecer, em belo bouquet feito de prémio Nobel e do mais importante escritor de língua portuguesa (palavras do próprio), ao noivo alemão que colecciona editoras pelo mundo fora.

Falando claro: nenhum leitor exigente perderá com a concentração editorial. Haverá sempre espaço no mercado para projectos que visam editar primeiro por gosto. As notícias sobre a estagnação do mercado da edição são manifestamente exageradas; nos últimos anos são muitos as editores que realmente trouxeram algo de novo ao mercado (A Cavalo de Ferro, a Livros de Areia, A Ovni, todas as minúsculas editoras que continuam a albergar a poesia, como a Averno), e houve também a renovação de algumas editoras que já eram manifestamente importantes no mercado português, como a Assírio & Alvim, a Cotovia, a Fenda. É verdade que nos últimos tempos a vida dos pequenos editores não tem sido fácil: a entrada das grandes superfícies, incluindo a FNAC, no mercado e a expansão dos grupos livreiros levou a que o poder de negociação destes últimos junto dos editores aumentasse exponencialmente, o que se traduziu em margens de comercialização bastas vezes incomportáveis. Mas também é verdade que a única razão para os livreiros terem conseguido forçar os descontos pretendidos foi a falta de um entendimento entre editores, foi a inexistência de uma associação de editores forte e unida, disposta a defender o dumping praticado pelas grandes superfícies. A lei do preço fixo seria uma óptima medida, se não vivêssemos em Portugal. Mas como a regra por cá é contornar chico-espertamente a lei, tornou-se norma vermos nos hipermercados livros com menos de 18 meses de edição com descontos astronómicos, e ninguém acusa ninguém. A ASAE serve mesmo para quê?

Num meio editorial onde as editoras de referência num passado recente (Asa, D. Quixote, Caminho, Gradiva) convivem lado a lado com os abortos editoriais que se foram instalando no mercado durante a última década, é de esperar o pior. Não é que, por exemplo, a D. Quixote, se salvaguarde do descalabro dos últimos anos, desde a saída de João Rodrigues (agora, na Sextante, outro exemplo de um excelente projecto editorial). Quando colocam à frente das empresas gente formada em Escolas Superiores Comerciais com um currículo assinalável na direcção das cadeias Lidl, sabe-se muito o que se pretende: baixar a fasquia, baixar, até acabar editando potenciais best-sellers pelos quais se pagam milhares à cabeça e que acabam por redundar em flops, e, deste modo, deixar de publicar produtos de qualidade e sucesso garantido, como é o caso dos outros quatro livros de Carlos Ruiz Záfon que precederam o sucesso de A Sombra do Vento (inexplicável). Resultado: o desastre e a consequente venda a alguém que se orgulha de ler, agora e sempre, um livro apenas: o de cheques.

Esperamos o pior, mas alguém há-de ocupar o lugar de referência das editoras que se afundam. Se Lobo Antunes sair da D. Quixote, alguém o há-de publicar. Como a Luísa Costa Gomes. Ou José Saramago, da Caminho. Ou Gonçalo Tavares.

Seria tão bom se todos fizessem como Rui Zink, que ao primeiro sinal de deriva da D. Quixote (Carolina e C.ª) abandonou o barco, indo parar à Teorema (que, curiosamente, também foi vendida a um grupo de investidores de contornos, no mínimo, nebulosos). Pessimismo? Apenas para quem achar que editar é como somar números numa calculadora. Os bons continuarão por cá.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Boca do Inferno

Escrever sobre o livro de Ricardo Araújo Pereira é pouco sensato; primeiro, porque o juízo do público já o colocou num patamar acima de qualquer crítica; segundo, porque Miguel Esteves Cardoso já o leu (e quatro vezes!) e antecipou-se a este texto; terceiro, porque qualquer texto que eu escreva sobre as crónicas do humorista arrisca-se a fazer figura de parente pobre ao lado de... qualquer crónica que apareça no livro recenseado. No fundo, escrever sobre o livro de Ricardo Araújo Pereira é como dançar sobre artesanato (parafraseando um conhecido fenomenólogo e estudioso dos rituais de acasalamento galináceos de que agora não quero recordar o nome).

O que resta, então, fazer? Continuando na técnica de fragmentação de um texto em pontos (tão fácil, tão fácil), deixar o livro descansado, depois de todo o esforço físico que fizemos para chegar ao fim do livro (rir cansa todos os músculos do corpo, ó se cansa); ou pegar na obra e tentar mostrar por outras palavras, diferentes e necessariamente mais fraquinhas do que as de Araújo Pereira, por que razão Boca do Inferno não é apenas mais um livro de crónicas escrito por um humorista – no meio da enxurrada de tentativas pouco sérias de fazer humor que, nos últimos anos, tem inundado as livrarias.

Decidi-me a fazer nenhuma das duas acima. Nem fiquei quietinho a um canto, pensando em todas as boas piadas que eu gostaria de ter escrito em vez do sacaninha de cabelo rapado, nem me atirei à vaca fria, encetando um vão ensaio para uma hermenêutica do humor pereirano. Será que há por aí professores de literatura que queiram levar a cabo tal tarefa? Não é difícil, e sempre seria coisa produtiva, irritar mais a azia crónica de Vasco Pulido Valente - “não gosto, não li, o Eça de Queiroz é muitas vezes superior, assim como um fulano que eu conheci em Oxford e limpava retretes no intervalo dos livros que escrevia”.

Uma crónica tem de ter técnica (e recuso-me a tentar produzir uma metáfora futebolística). Uma crónica tem de ter estilo. Uma crónica tem de conseguir conciliar técnica e estilo – ou o estilo será uma conjugação feliz de todas as boas regras da técnica? Não li suficientemente sobre o assunto (sim sou um leigo); para dizer a verdade, não li nada. Nem me apetece pensar um pouco sobre o caso, debruçar-me, correndo o risco de cair do parapeito, sobre o tema (e aí vão três sinónimos em três frases seguidas). O que me interessa, simplesmente, firmemente, é que o texto consiga atingir o seu pressuposto inicial. E qual é o pressuposto inicial de um texto do Ricardo Araújo Pereira? Que o leitor acabe por fazer figura de parvo em transportes públicos. Eu explico, em vários passos: primeiro, o leitor senta-se exactamente ao lado da loura de pernas descobertas e busto que podia estar mais encoberto (se fôssemos o João César das Neves). Que hajam não sei quantos mais lugares vagos na carruagem, é um pormenor. Segundo, retira (ou tira, segundo algumas versões) da mala um livro que não é o último do Miguel Sousa Tavares. Se ainda não tinha percebido, eu explico-lhe: você, caro leitor, está sentado ao lado de uma mulher que poderia ser a futura mãe dos seus filhos a ler um livro escrito pelo Ricardo Araújo Pereira. E, passados poucos segundos, a primeira gargalhada. Não ligue ao olhar de reprovação da loura. Desconfie antes quando ela se levantar e dirigir-se ao lugar no lado oposto da carruagem. E aproveite para tirar partido da sua figura ao máximo: revire os olhos, convulsione (existirá, este verbo), soluce, deixe que as lágrimas assomem aos olhos (bela imagem, de uma poeticidade intensa). Está feliz? Não, caro leitor, está fazer figura de parvo.

Quem me conhece sabe que quando me dou ao trabalho de explicar por que razão gosto de alguma coisa, o efeito atingido é necessariamente o oposto do pretendido; se digo: leiam autores nórdicos e vejam cinema europeu, sei que estou a convencer o meu interlocutor a embrenhar-se nos labirintos de Jorge Luis Borges e a passar umas boas horas a ver westerns da era clássica de Hollywood; o que me deixa satisfeito, porque no fundo era isso que eu pretendia fazer ao início. Conheço-me bem demais (já me aturo há trinta... hum, vinte e dois anos), por isso reitero: não leiam Boca do Inferno. A sério, sabiam que o Miguel Sousa Tavares publicou um livro há pouco tempo?

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Prémio Pessoa para Irene Flunser Pimentel

A historiadora Irene Flunser Pimentel foi distinguida com o Prémio Pessoa 2007.
Este ano publicou um estudo sobre a polícia política intitulado a A História da PIDE. Publicou ainda Mocidade Portuguesa Feminina, Vítimas de Salazar e, em 2006, Os judeus em Portugal durante a 2ª Guerra Mundial.
Colaborou em vários projectos de investigação incidindo sobre temas de história contemporânea e foi ainda autora da parte portuguesa de Contai aos vossos filhos (2001), livro europeu sobre o Holocausto na Europa.
Publicou também a Fotobiografia de Manuel Gonçalves Cerejeira (2002) e acabou recentemente a Fotobiografia de José Afonso, a lançar em breve. Actualmente trabalha num projecto de investigação sobre os Tribunais no período do Estado Novo.
Em declarações à Agência Lusa, a historiadora, de 57 anos, confessou que foi «uma emoção tremenda» receber o Prémio Pessoa, considerando que a distinção é «sobretudo dedicada aos investigadores de história contemporânea».
«Os seus livros, que nunca negam a sua adesão à causa das liberdades e dos direitos humanos, revelam um notável esforço de rigor intelectual e de objectividade académica», salientou.
É a segunda vez que o Prémio Pessoa é atribuído a um especialista em História. O primeiro foi José Mattoso, em 1987.

Fonte: JN/Sapo

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Arte de Ler

Aqui estamos nós. E aqui também.

Novos blogues

Num blogue sobre livros é bom de referir outros blogues sobre o mesmo assunto. O novo do José Mário Silva, o Bibliotecário de Babel, que começa muito bem, com uma apresentação gráfica impecável, e promete tornar-se um caso sério na divulgação de livros e de todo o universo que os rodeia. Através deste blogue, descobri também os Booktailors, consultores editoriais que mantêm um blogue, o Blogtailors, desde Setembro. Boas leituras.

Em que acreditam os Druidas?


Philip Carr-Gomm

Dom Quixote

Depois de ler vários romances, essencialmente sul-americanos, mas sobre os quais não me apeteceu escrever para o blogue, peguei num pequeno ensaio intitulado Em que acreditam os Druidas?, escrito por Philip Carr-Gomm. Em tempos fiz o contrário, i.e., intervalava com um romance a minha leitura (mais ou menos compulsiva) de ensaios.
Romance ou ensaio?... A velha questão.
Para mim será sempre mais fácil falar sobre um ensaio do que sobre um romance. Um romance transporta-nos para o abstracto, para o mundo das emoções, enquanto que o ensaio aponta ao concreto, ao manifesto, o que facilita a recensão crítica.
Até mesmo este Em que acreditam os Druidas?, com tudo o que representa falar sobre druidismo, toda a subjectividade e até uma certa dose de crença que lhe é inerente, não deixa de ser concreto, real, especialmente quando Philip nos remete para o revivalismo druídico. Este começou a tomar forma nos séculos XVIII e XIX e, sobre o qual, existem evidências efectivas. Quando ao druidismo primitivo, desse já é bem mais difícil falar, pois os dados que existem são vagos e bem menos palpáveis.
No entanto, como nos recorda o autor, o druidismo não é estático, não é rígido e não se cinge a dogmas. Como tal, é dinâmico e ajusta-se aos tempos. Ajustou-se também aos novos tempos e, após os esforços de algumas personalidades do século XX, entre as quais se destaca Ross Nichols, é hoje um movimento actual e que vem ao encontro dos interesses de um crescente número de pessoas que procura uma comunhão verdadeira com a Natureza, com a Mãe-Terra.
Para além do interesse que tenho por esta temática, optei por este livro, e não por outro, pois tive o ensejo de ter conhecido o autor numa viagem que fiz ao Sudeste de Inglaterra. Ainda que as palavras que nos tenha dirigido não tenham sido muito mais do que «então e de Portugal, quantos vieram?», ao que nós respondemos «somos oito», percebi, pelos acontecimentos que sobrevieram, tratar-se de um homem dedicado, atencioso e bem-falante.
Quando o autor, a páginas tantas, nos refere os eventos que costumam ocorrer em Glastonbury e Stonehenge, não pude deixar de pensar, um pouco egoisticamente, diga-se, «eu já lá estive e sei do que estás a falar!»...

domingo, 9 de dezembro de 2007

Gonçalo M. Tavares

Gonçalo M. Tavares publicou, em seis anos, 23 livros. Será necessário algum rigor para escrever tal número. Atenção, não foram 38, como escrevi (antes de verificar no Público o número correcto), nem 36, como julgo ter afirmado em conversa com alguém (já não me lembro quem).
Tudo o que tem vindo a lume, quase tudo, foi escrito durante um longo período de tempo, e depois Gonçalo começou a publicar. Quando começou a publicar, deixou de escrever. Até começar a publicar, escreveu. Todos os dias, já o disse em entrevistas, de manhã, nos cadernos - pretos ou não. Cada texto publicado vai para uma colecção, organizada de acordo com o caderno em que foi escrito.
Dos primeiros livros publicados, avulta O Senhor Valéry, o primeiro da série dos senhores. Esta série inventa, mais do que personagens vagamente inspiradas em escritores, um espaço para as colocar, um bairro. Neste bairro eles existem, mas raramente se cruzam. Conversam, encontram outros habitantes das vizinhanças, mas principalmente surpreendem-se com o bairro onde vivem. O carácter infantil das histórias dos senhores passa sobretudo pelo modo lúdico com que são encarados os pormenores existenciais, as dificuldades do mundo. Cada situação é enfrentada com a seriedade de um adulto e resolvida com a displicência de uma criança. A infância é o tempo em que a maior parte dos problemas que nos interessam é ultrapassada: como contornar as dificuldades que os outros nos colocam, como aprender a confiar neles, e como contar com isto para que o mundo se molde à nossa vontade. Crescer é como construir um bairro: alicerçar as casas, erguer as paredes, por gente a viver lá dentro, construir as ruas que levam a outras casas, olhar o quadro de fora, como um arquitecto divino.
O método de Gonçalo M. Tavares é frio, consegue ver o quadro de maneira grandiosa. À puerilidade do bairro dos senhores é acrescentada a tetralogia do reino (A Máquina de Joseph Walser, Um Homem: Klaus Klump, Jerusalém, Aprender a Rezar na era da Técnica). Neste reino, esquecemos os problemas de infância, os jogos que nos serviam para resolver esses problemas. As personagens da série são racionais, prodígios de raciocínio, frias máquinas obedecendo a frios desejos. Neste mundo desolado, a violência germina facilmente. Se no bairro dos senhores a desordem ameaça a cada página, no Reino, o mundo é perigoso. E o perigo não vem do exterior, mas do interior; a violência nasce da razão. Todos os grandes ditadores da História fundaram os seus reinos de terror na técnica, num método. Não há qualquer sugestão de irracionalidade no acto de destruir outro homem; a intenção é puramente da ordem do pensamento concreto, sem vestígios de imaginação, no sentido em que, para aceitarmos o outro, precisamos de imaginar o que ele é, o que sente.
A permanente tensão da série o Reino transporta-nos da infância para a idade adulta: o tempo da entropia progressiva, da ameaça de destruição iminente. A violência como motor da evolução humana.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Livros

Da primeira vez a que assisti a uma queima de livros, não consegui salvar nenhum exemplar para a minha biblioteca pessoal. As capas já tinham sido rasgadas, milhares de corações amontoavam-se a um canto do armazém, esperando pela sua vez, aguardando que os atirassem para a pira infernal. Curioso, as palavras que outros produziram dão uma bela fogueira intelectual, fumo negro e tudo. Nas mãos dos funcionários diligentes, as páginas de Shelley, Shakespeare, Milton ou Henry James, ganham um valor combustível nada desprezável. Tudo arde - Hitler provou-o a seu tempo. Há aquela história do escritor a morrer de frio, que utiliza o manuscrito de 900 páginas do seu único romance para atear o fogo que o mantém vivo - quem disse que a literatura não pode salvar o mundo?
Os livros que eu vi morrer, sem possibilidade de intervenção, eram ingleses. Restos da editora Wordsworth que não tinham sido vendidos, clássicos em fase acelerada de desaparecimento. A editora faliu, mas por Inglaterra ainda se encontram à venda em muitas livrarias. Na altura, custavam, salvo erro, 500 escudos, duas libras. Não fiquei com nenhum exemplar, queria mais do que o miolo sem capa de um livro - não julgai o livro pela capa, é verdade, mas um livro a que falta uma das suas partes é um livro coxo, uma mulher sem atractivos físicos que a evidenciem do resto do género. Com o papel que ardia, morriam as minhas hipóteses de ler uma porção muito pequena daquela parcela de livros que Almada Negreiros dizia nos caber em vida. E vale sempre a pena acharmos que ainda vamos encontrar o livro que nos vai mudar a vida; começamos a ler cativos dessa fé.
Em Inglaterra, está a ser construído o maior depósito de livros não lidos no mundo; todos os livros esquecidos, assim como jornais e revistas, num só espaço, selado para todo o sempre. Em A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Záfon, há um equivalente ficcional a este espaço. O cemitério dos livros esquecidos, edições inteiras de inutilidades ou restos de preciosidades descatalogadas pelo gosto dos leitores. Entre destruir livros e armazená-los num não-lugar para todo o sempre, uma linha que se quebra. A notícia do Guardian é exaustiva: milhares de quilómetros no meio do nada, acumulando o nada que o resto do mundo não quis ler. A dimensão material dos objectos armazenados e a enormidade do conhecimento que o objecto livro guarda, somadas, criam uma espécie de buraco negro da sabedoria humana. Conhecemos bibliotecas assim - mas estas são regularmente ressuscitadas por quem consulta os tomos arquivados. Mas o armazém estará inacessível ao público, serve apenas de depósito para as sobras de livros, jornais e revistas da Biblioteca Nacional Britânica, uma das maiores do mundo. O edifício tem uma escala gigantesca - comparável à grandeza do que lá vai ser guardado. Túmulos para livros, como é comentado neste texto. Tanta palavra, para nada.

(Texto também publicado no Auto-retrato)

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