quarta-feira, 28 de novembro de 2007

O Livro dos Senhores do Mundo


"O Livro dos Senhores do Mundo" de Robert Charroux
Livraria Bertrand 1973

Robert Charroux é sem dúvida um escritor sui generis, o que se percebe logo com o título do livro. Quem são os "Senhores do Mundo"?
Ora, este "pergaminho" leva-nos a uma viagem pré-diluviana, onde o autor nos elucida sobre os povos que existiam antes desta catástrofe, o seus costumes, crenças e religiões. Mas Charroux vai mais longe: pega na mitologia de vários povos, liga as suas tradições numa excelente argumentação onde nos explica a origem da raça humana.
Abordando outros temas controversos, como profecias da origem e final do mundo conhecido, encontramos nesta obra referência à existência de vida noutros planetas, a vinda de Seres mais evoluidos e sua respectiva veneração como deuses da Antiguidade.

Sem dúvida um livro polémico, mas acessível a qualquer um, de leitura muito simples e cativante.

PS: Para reler!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Olho da Arte de Ler

A Aida Cardoso do Olho da Letra foi entrevistada para o Blog / Revista Trama Y Texturas e referiu o Arte de Ler.
É a internacionalização!
À Aida, o nosso obrigado. E felicidades para si e para a sua actividade de blogger.

domingo, 11 de novembro de 2007

Norman Mailer (1923-2007)

Norman Mailer morreu ontem, de insuficiência renal, aos 84 anos. Os seus livros mais conhecidos são Os Nus e os Mortos, A Canção do Carrasco e o Evangelho Segundo o Filho, todos eles traduzidos em português. Polémico e directo, não deixou de ser tão militante na sua obra como em vida. Lutou contra a guerra do Vietname com a mesma intensidade com que denunciou os ataques feitos por feministas ao carácter misógino da obra que criou. A sua fama deveu-se mais a juízos de valor subjectivos do que a uma leitura objectiva dos romances. De uma maneira ou de outra, o seu nome era referido anualmente como possível prémio Nobel, mas o comité de Estocolmo decidiu que a Eternidade fizesse o julgamento dos seus méritos literários. Um dos pretendentes ao trono de great american novelist, pode-se dizer que apenas se aproximou, pela extensão e pelo fôlego literário, num pseudo-romance de espionagem, O Fantasma de Harlot (editado pela Asa), épico que acompanha, com um vigor estilístico assombroso, 40 anos da CIA, da sua formação aos anos 80, retratando simultaneamente a América da guerra fria através dos olhos de quem melhor percebe o que se passa, um espião americano que é colocado junto dos lugares onde se decide o destino do mundo: Berlim no pós-guerra, América do Sul nos anos 70. Partindo do particular para o universal (como o deve fazer qualquer bom romancista), Mailer constrói um mundo tão real e decisivo como afastado do olhar de quem vê apenas o resultado das decisões que são tomadas - a mesma técnica de O Nus e os Mortos, de resto, colocando o leitor no centro do torvelinho da 2ª Guerra Mundial, ao nível das trincheiras, da violência absoluta da batalha.
Que se fale mais de aspectos secundários na hora da sua morte, é uma pena. Apesar da sua megalomania não ter obtido, muitas vezes, resultados finais à altura (como em O Evangelho Segundo o Filho, por exemplo, um retrato intimista e falhado da vida de Jesus Cristo), a obra de Mailer merece mais do que a curiosidade de quem se interessa por polémicas.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O Silêncio dos Livros

George Steiner é um pessimista. Imaginamos que não o seria aos vinte, nem aos trinta, por isso desculpamos-lhe a amargura; quem não chegou ainda a velho não sabe o que é olhar para a frente e não ver caminho a desbravar. A trágica natureza humana.
O que faz um homem velho, que devotou uma vida ao conhecimento, perseguindo a sabedoria pela via mais difícil, a dos livros, quando se torna pessimista? Escreve um texto elegíaco sobre os livros, uma homenagem em letra de forma a toda a sua vida.
Steiner tem um estilo de escrita reconhecível, no qual avulta a profunda erudição e a capacidade de criar ligações entre ideias e autores. A este conhecimento enciclopédico, Steiner alia um entusiasmo sempre disponível, incapaz de deixar de admirar intensamente as obras dos grandes génios nas artes e na ciência - e para ele, a ciência é o ramo que nunca se devia ter separado da filosofia (foi essa uma das principais ideias da conferência que deu há umas semanas na Gulbenkian). Usa os nomes dos seus génios pessoais como fétiches ou mnemónica para as suas linhas de pensamento - Homero, Platão, Aristóteles, Shakespeare, Milton, Mozart, Turner. É um classicista, certo, e desde sempre foi - o ensaio que o tornou conhecido, No Castelo do Barba Azul, é uma resposta ao texto de Eliot, Notas para a Definição de Cultura, modernista nos seus propósitos, quando não no conteúdo (mas aí, a verdade é que Eliot já não tinha o optimismo da juventude quando o escreveu, em 1948). Nunca foi moderno, na sua intransigência na defesa de um gosto que recusa a modernidade - repetiu na conferência uma frase chave: "Ao lermos a Odisseia, acharemos sempre que é mais moderna que o Ulisses, de Joyce". Apesar deste conservadorismo estético, ou em consequência dele, digamos, Steiner tornou-se um autor popular fora dos círculos académicos - imagino que atraindo a inveja dos especialistas das diversas áreas que toca - a filosofia política, a estética, a literatura. De resto, o seu combate à especialização de saberes no mundo actual acaba por ser uma defesa da sua própria obra e sentido de vida. Não surpreende.
Um autor que oscila entre o pessimismo e a nostalgia de um passado melhor apenas poderia ter a visão que tem dos livros. Em O Silêncio dos Livros, acreditamos mais no livro como objecto sagrado, o seu uso inicial, do que objecto de estudo e manuseamento rápido. Steiner fala do uso inicial dos livros, da sua etimologia - como depósito das leis que governam o Homem, sejam elas religiosas ou humanas. A acumulação do conhecimento em livros, ao longo dos séculos, permitiu uma universalização dos saberes. Não me parece que Steiner aprecie esta democratização, apesar de implicitamente defender o acesso das grandes obras a toda a gente. Mas o tom elitista que adopta ao abordar o actual declínio da leitura trai a sua atitude inicial. A realidade desmente o pessimismo endémico. Tudo está mais acessível - a Internet apenas é um mal para quem ou não a sabe utilizar ou utiliza mal - e não substitui, nem nunca irá substituir o prazer de ler um livro, recolhido no silêncio (na Internet, há ruído de toda a espécie a atravancar os sentidos). As ameaças à liberdade de publicar, duvido que sejam agora mais prementes do que sempre foram - a liberdade de dizer, escrevendo, acabará sempre por se sobrepor à vontade de poder das diversas religiões e ideologias. E a Internet permite essa liberdade - enquanto não houver restrições à circulação da informação. Podemos questionar a qualidade da informação - mas temos a possibilidade de o fazer, escolhendo. O controlo exercido pelas antigas ditaduras tornou-se uma sombra longínqua (no mundo ocidental, pelo menos). Existe um risco de um regresso a tempos sombrios? Sem dúvida, haverá sempre. Não seria tão interessante lutar contra isso se não existisse esse perigo.
A ameaça do ritmo do mundo actual aos livros é um falso problema. Havendo mais oferta, há mais possibilidade de escolha - mas as obras que definem uma existência continuam a poder ser lidas - há, de certeza, neste momento mais traduções da Odisseia disponíveis do que há cinquenta anos. Ou há trezentos. Steiner diz que dificilmente aparecerá outro Shakespeare - mas apenas há um por milénio; esperemos mais 500 anos. Enquanto vem e não vem, podemos ir lendo os autores que não são génios (é a centelha de Deus, acessível a poucos), recolhendo nos livros a maior dádiva de todas: a possibilidade de se escolher aquilo em que se acredita.

(O Silêncio dos Livros, de George Steiner, com um texto adicional pouco interessante de Michel Crépu, é editado pela Gradiva e está à venda na Bulhosa.)

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Do plágio como uma das belas artes

Eu, como todos os escritores por publicar (ou publicados, mas sem sucesso), também tenho uma teoria sobre o plágio de Miguel Sousa Tavares. Para ser verdadeiro, eu tenho uma teoria para todo e qualquer plágio, excepto para casos de escritores de génio, e esses, meu deus, são raríssimos.
A teoria é esta: o plágio é sinal de inteligência; corrijo: o plágio é sinal de esperteza, com a agravante de ser consistente com uma das principais qualidades que um escritor deve ter: o olho para reconhecer os grandes que o precedem. No limite, qualquer escritor que não seja génio, com aspirações a escrever alguma coisa de jeito, deve fazer como Bruce Chatwin: abrir uma dúzia de clássicos enquanto escreve, e ir copiando ao sabor da pena, copiosamente copiando, frase a frase - um pouco de Flaubert, uma pitada de Tolstoi, um gosto de Kafka (o escritor mais fácil e mais óbvio de imitar) ao lado, aqui e ali Sterne polvilhando a prosa, quem sabe alguma elegância de Henry James para melhorar a linguagem, algo de Proust a acompanhar. E não falo apenas de uma vaga inspiração - isso é tolice, o resultado final acaba por ser um sabor amargo a uma falta de originalidade tremenda, um pouco como ler "O Meu Nome é Legião" depois de "O Som e a Fúria" ou qualquer romance de Miguel Real como digestivo aprés "Memorial do Convento". Amigos, trabalhem com método: cortando e copiando, como não? Mas faça-se com estilo; não adianta mergulhar em livros de História e fazer copy/paste de factos, como MST faz. Entediante, aborrecido. Imaginem: se os originais já o são, o que será a cópia? Roubar? Em grande. É que enfiar uma frase de Pessoa entre uma exclamação de Virginia Woolf e um longo parágrafo digressional de Saramago não é plágio: é o talento a revelar-se. Não é uma questão de coser os pontos bem cosidos; é saber esconder as costuras. Chatwin conseguiu, mal ou bem - os romances, bom... são fracos; mas os livros de viagem são soberbos. E estou comovidamente grato apenas a ele - porque sei que já pagou as suas próprias dívidas de gratidão aos amigos que conheceu depois de partir. Um copo com Wilde no Paraíso - o sonho de um copista de génio.
O problema, na verdade, é que Miguel Sousa Tavares não plagia. Não tem coragem (ou talento) para tanto. É um enfadonho jornalista a escrever uma reportagem num tom neutro, chatíssimo, sem marca própria, sem nervo, colando com cuspo datas e acontecimentos longínquos numa sequência infindável de personagens que têm tanta profundidade como o papel em que o seu nome é impresso. Resultaria em jornal ou em revista? Não duvido. Resulta como produto de marketing claro e evidente (ser figura televisiva; ter boa figura; ser polémico)? Claro que sim. É literatura? Vasco Pulido Valente já ditou a sentença. Está tudo dito.
Confie nos bons conselhos que lhe dão, homem, plagie, nem sabe o que está a perder (e os seus leitores também)!

(Publicado também no Auto-retrato)

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