domingo, 30 de dezembro de 2007

Coleccionismo para totós (2007 revisto)

Não há razão para pânico ou histerias. Não vale a pena correr a esconder para debaixo da mesa mais próxima, vender todas as acções em desespero ou deitar a toalha ao chão. As coisas mudam, mas nem sempre mudam para muito pior.

A situação aconselha prudência. Miguel Pais do Amaral vai compondo o ramalhete de editoras, qual apaixonada coleccionando declarações de pretendentes; os editores em pré-reforma engordam a conta bancária, embarcam na aposentação dourada para a qual trabalharam toda uma vida. (E quem os pode censurar, verdadeiramente?) Quem sobra nesta história de demandas quixotescas, negociações ferozes, batidas com a porta por parte de editores, lacrimejar de donzelas ofendidas, lamentações, choro e ranger de dentes?

Meus amigos, quem vai sofrer, quem já começou a sofrer, são as centenas de pessoas que foram e irão para as ruas durante os meses que se avizinham. A concentração empresarial e o monopólio têm o sabor de um whisky velho para quem vai enriquecendo e o gosto amargo do fel para quem desespera perante a possibilidade de desemprego. Não há razão para pânicos ou histerias? Quem por lá tiver de passar, passará, alguém acha que pensa de modo diferente quem trata da vida de pessoas como se fossem “peanuts”? O caridoso coração de Pais do Amaral estremece ao ouvir os rumores de que um negócio gigantesco, no espaço de um ano ou dois, se prepara, entre ele e a Bertelsman. De bom-grado o empresário se dispôs a fazer o jogo sujo de angariar, cortar a eito (património, capital, pessoas) e depois compôr tudo muito bem composto para oferecer, em belo bouquet feito de prémio Nobel e do mais importante escritor de língua portuguesa (palavras do próprio), ao noivo alemão que colecciona editoras pelo mundo fora.

Falando claro: nenhum leitor exigente perderá com a concentração editorial. Haverá sempre espaço no mercado para projectos que visam editar primeiro por gosto. As notícias sobre a estagnação do mercado da edição são manifestamente exageradas; nos últimos anos são muitos as editores que realmente trouxeram algo de novo ao mercado (A Cavalo de Ferro, a Livros de Areia, A Ovni, todas as minúsculas editoras que continuam a albergar a poesia, como a Averno), e houve também a renovação de algumas editoras que já eram manifestamente importantes no mercado português, como a Assírio & Alvim, a Cotovia, a Fenda. É verdade que nos últimos tempos a vida dos pequenos editores não tem sido fácil: a entrada das grandes superfícies, incluindo a FNAC, no mercado e a expansão dos grupos livreiros levou a que o poder de negociação destes últimos junto dos editores aumentasse exponencialmente, o que se traduziu em margens de comercialização bastas vezes incomportáveis. Mas também é verdade que a única razão para os livreiros terem conseguido forçar os descontos pretendidos foi a falta de um entendimento entre editores, foi a inexistência de uma associação de editores forte e unida, disposta a defender o dumping praticado pelas grandes superfícies. A lei do preço fixo seria uma óptima medida, se não vivêssemos em Portugal. Mas como a regra por cá é contornar chico-espertamente a lei, tornou-se norma vermos nos hipermercados livros com menos de 18 meses de edição com descontos astronómicos, e ninguém acusa ninguém. A ASAE serve mesmo para quê?

Num meio editorial onde as editoras de referência num passado recente (Asa, D. Quixote, Caminho, Gradiva) convivem lado a lado com os abortos editoriais que se foram instalando no mercado durante a última década, é de esperar o pior. Não é que, por exemplo, a D. Quixote, se salvaguarde do descalabro dos últimos anos, desde a saída de João Rodrigues (agora, na Sextante, outro exemplo de um excelente projecto editorial). Quando colocam à frente das empresas gente formada em Escolas Superiores Comerciais com um currículo assinalável na direcção das cadeias Lidl, sabe-se muito o que se pretende: baixar a fasquia, baixar, até acabar editando potenciais best-sellers pelos quais se pagam milhares à cabeça e que acabam por redundar em flops, e, deste modo, deixar de publicar produtos de qualidade e sucesso garantido, como é o caso dos outros quatro livros de Carlos Ruiz Záfon que precederam o sucesso de A Sombra do Vento (inexplicável). Resultado: o desastre e a consequente venda a alguém que se orgulha de ler, agora e sempre, um livro apenas: o de cheques.

Esperamos o pior, mas alguém há-de ocupar o lugar de referência das editoras que se afundam. Se Lobo Antunes sair da D. Quixote, alguém o há-de publicar. Como a Luísa Costa Gomes. Ou José Saramago, da Caminho. Ou Gonçalo Tavares.

Seria tão bom se todos fizessem como Rui Zink, que ao primeiro sinal de deriva da D. Quixote (Carolina e C.ª) abandonou o barco, indo parar à Teorema (que, curiosamente, também foi vendida a um grupo de investidores de contornos, no mínimo, nebulosos). Pessimismo? Apenas para quem achar que editar é como somar números numa calculadora. Os bons continuarão por cá.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Boca do Inferno

Escrever sobre o livro de Ricardo Araújo Pereira é pouco sensato; primeiro, porque o juízo do público já o colocou num patamar acima de qualquer crítica; segundo, porque Miguel Esteves Cardoso já o leu (e quatro vezes!) e antecipou-se a este texto; terceiro, porque qualquer texto que eu escreva sobre as crónicas do humorista arrisca-se a fazer figura de parente pobre ao lado de... qualquer crónica que apareça no livro recenseado. No fundo, escrever sobre o livro de Ricardo Araújo Pereira é como dançar sobre artesanato (parafraseando um conhecido fenomenólogo e estudioso dos rituais de acasalamento galináceos de que agora não quero recordar o nome).

O que resta, então, fazer? Continuando na técnica de fragmentação de um texto em pontos (tão fácil, tão fácil), deixar o livro descansado, depois de todo o esforço físico que fizemos para chegar ao fim do livro (rir cansa todos os músculos do corpo, ó se cansa); ou pegar na obra e tentar mostrar por outras palavras, diferentes e necessariamente mais fraquinhas do que as de Araújo Pereira, por que razão Boca do Inferno não é apenas mais um livro de crónicas escrito por um humorista – no meio da enxurrada de tentativas pouco sérias de fazer humor que, nos últimos anos, tem inundado as livrarias.

Decidi-me a fazer nenhuma das duas acima. Nem fiquei quietinho a um canto, pensando em todas as boas piadas que eu gostaria de ter escrito em vez do sacaninha de cabelo rapado, nem me atirei à vaca fria, encetando um vão ensaio para uma hermenêutica do humor pereirano. Será que há por aí professores de literatura que queiram levar a cabo tal tarefa? Não é difícil, e sempre seria coisa produtiva, irritar mais a azia crónica de Vasco Pulido Valente - “não gosto, não li, o Eça de Queiroz é muitas vezes superior, assim como um fulano que eu conheci em Oxford e limpava retretes no intervalo dos livros que escrevia”.

Uma crónica tem de ter técnica (e recuso-me a tentar produzir uma metáfora futebolística). Uma crónica tem de ter estilo. Uma crónica tem de conseguir conciliar técnica e estilo – ou o estilo será uma conjugação feliz de todas as boas regras da técnica? Não li suficientemente sobre o assunto (sim sou um leigo); para dizer a verdade, não li nada. Nem me apetece pensar um pouco sobre o caso, debruçar-me, correndo o risco de cair do parapeito, sobre o tema (e aí vão três sinónimos em três frases seguidas). O que me interessa, simplesmente, firmemente, é que o texto consiga atingir o seu pressuposto inicial. E qual é o pressuposto inicial de um texto do Ricardo Araújo Pereira? Que o leitor acabe por fazer figura de parvo em transportes públicos. Eu explico, em vários passos: primeiro, o leitor senta-se exactamente ao lado da loura de pernas descobertas e busto que podia estar mais encoberto (se fôssemos o João César das Neves). Que hajam não sei quantos mais lugares vagos na carruagem, é um pormenor. Segundo, retira (ou tira, segundo algumas versões) da mala um livro que não é o último do Miguel Sousa Tavares. Se ainda não tinha percebido, eu explico-lhe: você, caro leitor, está sentado ao lado de uma mulher que poderia ser a futura mãe dos seus filhos a ler um livro escrito pelo Ricardo Araújo Pereira. E, passados poucos segundos, a primeira gargalhada. Não ligue ao olhar de reprovação da loura. Desconfie antes quando ela se levantar e dirigir-se ao lugar no lado oposto da carruagem. E aproveite para tirar partido da sua figura ao máximo: revire os olhos, convulsione (existirá, este verbo), soluce, deixe que as lágrimas assomem aos olhos (bela imagem, de uma poeticidade intensa). Está feliz? Não, caro leitor, está fazer figura de parvo.

Quem me conhece sabe que quando me dou ao trabalho de explicar por que razão gosto de alguma coisa, o efeito atingido é necessariamente o oposto do pretendido; se digo: leiam autores nórdicos e vejam cinema europeu, sei que estou a convencer o meu interlocutor a embrenhar-se nos labirintos de Jorge Luis Borges e a passar umas boas horas a ver westerns da era clássica de Hollywood; o que me deixa satisfeito, porque no fundo era isso que eu pretendia fazer ao início. Conheço-me bem demais (já me aturo há trinta... hum, vinte e dois anos), por isso reitero: não leiam Boca do Inferno. A sério, sabiam que o Miguel Sousa Tavares publicou um livro há pouco tempo?

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Prémio Pessoa para Irene Flunser Pimentel

A historiadora Irene Flunser Pimentel foi distinguida com o Prémio Pessoa 2007.
Este ano publicou um estudo sobre a polícia política intitulado a A História da PIDE. Publicou ainda Mocidade Portuguesa Feminina, Vítimas de Salazar e, em 2006, Os judeus em Portugal durante a 2ª Guerra Mundial.
Colaborou em vários projectos de investigação incidindo sobre temas de história contemporânea e foi ainda autora da parte portuguesa de Contai aos vossos filhos (2001), livro europeu sobre o Holocausto na Europa.
Publicou também a Fotobiografia de Manuel Gonçalves Cerejeira (2002) e acabou recentemente a Fotobiografia de José Afonso, a lançar em breve. Actualmente trabalha num projecto de investigação sobre os Tribunais no período do Estado Novo.
Em declarações à Agência Lusa, a historiadora, de 57 anos, confessou que foi «uma emoção tremenda» receber o Prémio Pessoa, considerando que a distinção é «sobretudo dedicada aos investigadores de história contemporânea».
«Os seus livros, que nunca negam a sua adesão à causa das liberdades e dos direitos humanos, revelam um notável esforço de rigor intelectual e de objectividade académica», salientou.
É a segunda vez que o Prémio Pessoa é atribuído a um especialista em História. O primeiro foi José Mattoso, em 1987.

Fonte: JN/Sapo

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Arte de Ler

Aqui estamos nós. E aqui também.

Novos blogues

Num blogue sobre livros é bom de referir outros blogues sobre o mesmo assunto. O novo do José Mário Silva, o Bibliotecário de Babel, que começa muito bem, com uma apresentação gráfica impecável, e promete tornar-se um caso sério na divulgação de livros e de todo o universo que os rodeia. Através deste blogue, descobri também os Booktailors, consultores editoriais que mantêm um blogue, o Blogtailors, desde Setembro. Boas leituras.

Em que acreditam os Druidas?


Philip Carr-Gomm

Dom Quixote

Depois de ler vários romances, essencialmente sul-americanos, mas sobre os quais não me apeteceu escrever para o blogue, peguei num pequeno ensaio intitulado Em que acreditam os Druidas?, escrito por Philip Carr-Gomm. Em tempos fiz o contrário, i.e., intervalava com um romance a minha leitura (mais ou menos compulsiva) de ensaios.
Romance ou ensaio?... A velha questão.
Para mim será sempre mais fácil falar sobre um ensaio do que sobre um romance. Um romance transporta-nos para o abstracto, para o mundo das emoções, enquanto que o ensaio aponta ao concreto, ao manifesto, o que facilita a recensão crítica.
Até mesmo este Em que acreditam os Druidas?, com tudo o que representa falar sobre druidismo, toda a subjectividade e até uma certa dose de crença que lhe é inerente, não deixa de ser concreto, real, especialmente quando Philip nos remete para o revivalismo druídico. Este começou a tomar forma nos séculos XVIII e XIX e, sobre o qual, existem evidências efectivas. Quando ao druidismo primitivo, desse já é bem mais difícil falar, pois os dados que existem são vagos e bem menos palpáveis.
No entanto, como nos recorda o autor, o druidismo não é estático, não é rígido e não se cinge a dogmas. Como tal, é dinâmico e ajusta-se aos tempos. Ajustou-se também aos novos tempos e, após os esforços de algumas personalidades do século XX, entre as quais se destaca Ross Nichols, é hoje um movimento actual e que vem ao encontro dos interesses de um crescente número de pessoas que procura uma comunhão verdadeira com a Natureza, com a Mãe-Terra.
Para além do interesse que tenho por esta temática, optei por este livro, e não por outro, pois tive o ensejo de ter conhecido o autor numa viagem que fiz ao Sudeste de Inglaterra. Ainda que as palavras que nos tenha dirigido não tenham sido muito mais do que «então e de Portugal, quantos vieram?», ao que nós respondemos «somos oito», percebi, pelos acontecimentos que sobrevieram, tratar-se de um homem dedicado, atencioso e bem-falante.
Quando o autor, a páginas tantas, nos refere os eventos que costumam ocorrer em Glastonbury e Stonehenge, não pude deixar de pensar, um pouco egoisticamente, diga-se, «eu já lá estive e sei do que estás a falar!»...

domingo, 9 de dezembro de 2007

Gonçalo M. Tavares

Gonçalo M. Tavares publicou, em seis anos, 23 livros. Será necessário algum rigor para escrever tal número. Atenção, não foram 38, como escrevi (antes de verificar no Público o número correcto), nem 36, como julgo ter afirmado em conversa com alguém (já não me lembro quem).
Tudo o que tem vindo a lume, quase tudo, foi escrito durante um longo período de tempo, e depois Gonçalo começou a publicar. Quando começou a publicar, deixou de escrever. Até começar a publicar, escreveu. Todos os dias, já o disse em entrevistas, de manhã, nos cadernos - pretos ou não. Cada texto publicado vai para uma colecção, organizada de acordo com o caderno em que foi escrito.
Dos primeiros livros publicados, avulta O Senhor Valéry, o primeiro da série dos senhores. Esta série inventa, mais do que personagens vagamente inspiradas em escritores, um espaço para as colocar, um bairro. Neste bairro eles existem, mas raramente se cruzam. Conversam, encontram outros habitantes das vizinhanças, mas principalmente surpreendem-se com o bairro onde vivem. O carácter infantil das histórias dos senhores passa sobretudo pelo modo lúdico com que são encarados os pormenores existenciais, as dificuldades do mundo. Cada situação é enfrentada com a seriedade de um adulto e resolvida com a displicência de uma criança. A infância é o tempo em que a maior parte dos problemas que nos interessam é ultrapassada: como contornar as dificuldades que os outros nos colocam, como aprender a confiar neles, e como contar com isto para que o mundo se molde à nossa vontade. Crescer é como construir um bairro: alicerçar as casas, erguer as paredes, por gente a viver lá dentro, construir as ruas que levam a outras casas, olhar o quadro de fora, como um arquitecto divino.
O método de Gonçalo M. Tavares é frio, consegue ver o quadro de maneira grandiosa. À puerilidade do bairro dos senhores é acrescentada a tetralogia do reino (A Máquina de Joseph Walser, Um Homem: Klaus Klump, Jerusalém, Aprender a Rezar na era da Técnica). Neste reino, esquecemos os problemas de infância, os jogos que nos serviam para resolver esses problemas. As personagens da série são racionais, prodígios de raciocínio, frias máquinas obedecendo a frios desejos. Neste mundo desolado, a violência germina facilmente. Se no bairro dos senhores a desordem ameaça a cada página, no Reino, o mundo é perigoso. E o perigo não vem do exterior, mas do interior; a violência nasce da razão. Todos os grandes ditadores da História fundaram os seus reinos de terror na técnica, num método. Não há qualquer sugestão de irracionalidade no acto de destruir outro homem; a intenção é puramente da ordem do pensamento concreto, sem vestígios de imaginação, no sentido em que, para aceitarmos o outro, precisamos de imaginar o que ele é, o que sente.
A permanente tensão da série o Reino transporta-nos da infância para a idade adulta: o tempo da entropia progressiva, da ameaça de destruição iminente. A violência como motor da evolução humana.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Livros

Da primeira vez a que assisti a uma queima de livros, não consegui salvar nenhum exemplar para a minha biblioteca pessoal. As capas já tinham sido rasgadas, milhares de corações amontoavam-se a um canto do armazém, esperando pela sua vez, aguardando que os atirassem para a pira infernal. Curioso, as palavras que outros produziram dão uma bela fogueira intelectual, fumo negro e tudo. Nas mãos dos funcionários diligentes, as páginas de Shelley, Shakespeare, Milton ou Henry James, ganham um valor combustível nada desprezável. Tudo arde - Hitler provou-o a seu tempo. Há aquela história do escritor a morrer de frio, que utiliza o manuscrito de 900 páginas do seu único romance para atear o fogo que o mantém vivo - quem disse que a literatura não pode salvar o mundo?
Os livros que eu vi morrer, sem possibilidade de intervenção, eram ingleses. Restos da editora Wordsworth que não tinham sido vendidos, clássicos em fase acelerada de desaparecimento. A editora faliu, mas por Inglaterra ainda se encontram à venda em muitas livrarias. Na altura, custavam, salvo erro, 500 escudos, duas libras. Não fiquei com nenhum exemplar, queria mais do que o miolo sem capa de um livro - não julgai o livro pela capa, é verdade, mas um livro a que falta uma das suas partes é um livro coxo, uma mulher sem atractivos físicos que a evidenciem do resto do género. Com o papel que ardia, morriam as minhas hipóteses de ler uma porção muito pequena daquela parcela de livros que Almada Negreiros dizia nos caber em vida. E vale sempre a pena acharmos que ainda vamos encontrar o livro que nos vai mudar a vida; começamos a ler cativos dessa fé.
Em Inglaterra, está a ser construído o maior depósito de livros não lidos no mundo; todos os livros esquecidos, assim como jornais e revistas, num só espaço, selado para todo o sempre. Em A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Záfon, há um equivalente ficcional a este espaço. O cemitério dos livros esquecidos, edições inteiras de inutilidades ou restos de preciosidades descatalogadas pelo gosto dos leitores. Entre destruir livros e armazená-los num não-lugar para todo o sempre, uma linha que se quebra. A notícia do Guardian é exaustiva: milhares de quilómetros no meio do nada, acumulando o nada que o resto do mundo não quis ler. A dimensão material dos objectos armazenados e a enormidade do conhecimento que o objecto livro guarda, somadas, criam uma espécie de buraco negro da sabedoria humana. Conhecemos bibliotecas assim - mas estas são regularmente ressuscitadas por quem consulta os tomos arquivados. Mas o armazém estará inacessível ao público, serve apenas de depósito para as sobras de livros, jornais e revistas da Biblioteca Nacional Britânica, uma das maiores do mundo. O edifício tem uma escala gigantesca - comparável à grandeza do que lá vai ser guardado. Túmulos para livros, como é comentado neste texto. Tanta palavra, para nada.

(Texto também publicado no Auto-retrato)

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

O Livro dos Senhores do Mundo


"O Livro dos Senhores do Mundo" de Robert Charroux
Livraria Bertrand 1973

Robert Charroux é sem dúvida um escritor sui generis, o que se percebe logo com o título do livro. Quem são os "Senhores do Mundo"?
Ora, este "pergaminho" leva-nos a uma viagem pré-diluviana, onde o autor nos elucida sobre os povos que existiam antes desta catástrofe, o seus costumes, crenças e religiões. Mas Charroux vai mais longe: pega na mitologia de vários povos, liga as suas tradições numa excelente argumentação onde nos explica a origem da raça humana.
Abordando outros temas controversos, como profecias da origem e final do mundo conhecido, encontramos nesta obra referência à existência de vida noutros planetas, a vinda de Seres mais evoluidos e sua respectiva veneração como deuses da Antiguidade.

Sem dúvida um livro polémico, mas acessível a qualquer um, de leitura muito simples e cativante.

PS: Para reler!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Olho da Arte de Ler

A Aida Cardoso do Olho da Letra foi entrevistada para o Blog / Revista Trama Y Texturas e referiu o Arte de Ler.
É a internacionalização!
À Aida, o nosso obrigado. E felicidades para si e para a sua actividade de blogger.

domingo, 11 de novembro de 2007

Norman Mailer (1923-2007)

Norman Mailer morreu ontem, de insuficiência renal, aos 84 anos. Os seus livros mais conhecidos são Os Nus e os Mortos, A Canção do Carrasco e o Evangelho Segundo o Filho, todos eles traduzidos em português. Polémico e directo, não deixou de ser tão militante na sua obra como em vida. Lutou contra a guerra do Vietname com a mesma intensidade com que denunciou os ataques feitos por feministas ao carácter misógino da obra que criou. A sua fama deveu-se mais a juízos de valor subjectivos do que a uma leitura objectiva dos romances. De uma maneira ou de outra, o seu nome era referido anualmente como possível prémio Nobel, mas o comité de Estocolmo decidiu que a Eternidade fizesse o julgamento dos seus méritos literários. Um dos pretendentes ao trono de great american novelist, pode-se dizer que apenas se aproximou, pela extensão e pelo fôlego literário, num pseudo-romance de espionagem, O Fantasma de Harlot (editado pela Asa), épico que acompanha, com um vigor estilístico assombroso, 40 anos da CIA, da sua formação aos anos 80, retratando simultaneamente a América da guerra fria através dos olhos de quem melhor percebe o que se passa, um espião americano que é colocado junto dos lugares onde se decide o destino do mundo: Berlim no pós-guerra, América do Sul nos anos 70. Partindo do particular para o universal (como o deve fazer qualquer bom romancista), Mailer constrói um mundo tão real e decisivo como afastado do olhar de quem vê apenas o resultado das decisões que são tomadas - a mesma técnica de O Nus e os Mortos, de resto, colocando o leitor no centro do torvelinho da 2ª Guerra Mundial, ao nível das trincheiras, da violência absoluta da batalha.
Que se fale mais de aspectos secundários na hora da sua morte, é uma pena. Apesar da sua megalomania não ter obtido, muitas vezes, resultados finais à altura (como em O Evangelho Segundo o Filho, por exemplo, um retrato intimista e falhado da vida de Jesus Cristo), a obra de Mailer merece mais do que a curiosidade de quem se interessa por polémicas.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O Silêncio dos Livros

George Steiner é um pessimista. Imaginamos que não o seria aos vinte, nem aos trinta, por isso desculpamos-lhe a amargura; quem não chegou ainda a velho não sabe o que é olhar para a frente e não ver caminho a desbravar. A trágica natureza humana.
O que faz um homem velho, que devotou uma vida ao conhecimento, perseguindo a sabedoria pela via mais difícil, a dos livros, quando se torna pessimista? Escreve um texto elegíaco sobre os livros, uma homenagem em letra de forma a toda a sua vida.
Steiner tem um estilo de escrita reconhecível, no qual avulta a profunda erudição e a capacidade de criar ligações entre ideias e autores. A este conhecimento enciclopédico, Steiner alia um entusiasmo sempre disponível, incapaz de deixar de admirar intensamente as obras dos grandes génios nas artes e na ciência - e para ele, a ciência é o ramo que nunca se devia ter separado da filosofia (foi essa uma das principais ideias da conferência que deu há umas semanas na Gulbenkian). Usa os nomes dos seus génios pessoais como fétiches ou mnemónica para as suas linhas de pensamento - Homero, Platão, Aristóteles, Shakespeare, Milton, Mozart, Turner. É um classicista, certo, e desde sempre foi - o ensaio que o tornou conhecido, No Castelo do Barba Azul, é uma resposta ao texto de Eliot, Notas para a Definição de Cultura, modernista nos seus propósitos, quando não no conteúdo (mas aí, a verdade é que Eliot já não tinha o optimismo da juventude quando o escreveu, em 1948). Nunca foi moderno, na sua intransigência na defesa de um gosto que recusa a modernidade - repetiu na conferência uma frase chave: "Ao lermos a Odisseia, acharemos sempre que é mais moderna que o Ulisses, de Joyce". Apesar deste conservadorismo estético, ou em consequência dele, digamos, Steiner tornou-se um autor popular fora dos círculos académicos - imagino que atraindo a inveja dos especialistas das diversas áreas que toca - a filosofia política, a estética, a literatura. De resto, o seu combate à especialização de saberes no mundo actual acaba por ser uma defesa da sua própria obra e sentido de vida. Não surpreende.
Um autor que oscila entre o pessimismo e a nostalgia de um passado melhor apenas poderia ter a visão que tem dos livros. Em O Silêncio dos Livros, acreditamos mais no livro como objecto sagrado, o seu uso inicial, do que objecto de estudo e manuseamento rápido. Steiner fala do uso inicial dos livros, da sua etimologia - como depósito das leis que governam o Homem, sejam elas religiosas ou humanas. A acumulação do conhecimento em livros, ao longo dos séculos, permitiu uma universalização dos saberes. Não me parece que Steiner aprecie esta democratização, apesar de implicitamente defender o acesso das grandes obras a toda a gente. Mas o tom elitista que adopta ao abordar o actual declínio da leitura trai a sua atitude inicial. A realidade desmente o pessimismo endémico. Tudo está mais acessível - a Internet apenas é um mal para quem ou não a sabe utilizar ou utiliza mal - e não substitui, nem nunca irá substituir o prazer de ler um livro, recolhido no silêncio (na Internet, há ruído de toda a espécie a atravancar os sentidos). As ameaças à liberdade de publicar, duvido que sejam agora mais prementes do que sempre foram - a liberdade de dizer, escrevendo, acabará sempre por se sobrepor à vontade de poder das diversas religiões e ideologias. E a Internet permite essa liberdade - enquanto não houver restrições à circulação da informação. Podemos questionar a qualidade da informação - mas temos a possibilidade de o fazer, escolhendo. O controlo exercido pelas antigas ditaduras tornou-se uma sombra longínqua (no mundo ocidental, pelo menos). Existe um risco de um regresso a tempos sombrios? Sem dúvida, haverá sempre. Não seria tão interessante lutar contra isso se não existisse esse perigo.
A ameaça do ritmo do mundo actual aos livros é um falso problema. Havendo mais oferta, há mais possibilidade de escolha - mas as obras que definem uma existência continuam a poder ser lidas - há, de certeza, neste momento mais traduções da Odisseia disponíveis do que há cinquenta anos. Ou há trezentos. Steiner diz que dificilmente aparecerá outro Shakespeare - mas apenas há um por milénio; esperemos mais 500 anos. Enquanto vem e não vem, podemos ir lendo os autores que não são génios (é a centelha de Deus, acessível a poucos), recolhendo nos livros a maior dádiva de todas: a possibilidade de se escolher aquilo em que se acredita.

(O Silêncio dos Livros, de George Steiner, com um texto adicional pouco interessante de Michel Crépu, é editado pela Gradiva e está à venda na Bulhosa.)

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Do plágio como uma das belas artes

Eu, como todos os escritores por publicar (ou publicados, mas sem sucesso), também tenho uma teoria sobre o plágio de Miguel Sousa Tavares. Para ser verdadeiro, eu tenho uma teoria para todo e qualquer plágio, excepto para casos de escritores de génio, e esses, meu deus, são raríssimos.
A teoria é esta: o plágio é sinal de inteligência; corrijo: o plágio é sinal de esperteza, com a agravante de ser consistente com uma das principais qualidades que um escritor deve ter: o olho para reconhecer os grandes que o precedem. No limite, qualquer escritor que não seja génio, com aspirações a escrever alguma coisa de jeito, deve fazer como Bruce Chatwin: abrir uma dúzia de clássicos enquanto escreve, e ir copiando ao sabor da pena, copiosamente copiando, frase a frase - um pouco de Flaubert, uma pitada de Tolstoi, um gosto de Kafka (o escritor mais fácil e mais óbvio de imitar) ao lado, aqui e ali Sterne polvilhando a prosa, quem sabe alguma elegância de Henry James para melhorar a linguagem, algo de Proust a acompanhar. E não falo apenas de uma vaga inspiração - isso é tolice, o resultado final acaba por ser um sabor amargo a uma falta de originalidade tremenda, um pouco como ler "O Meu Nome é Legião" depois de "O Som e a Fúria" ou qualquer romance de Miguel Real como digestivo aprés "Memorial do Convento". Amigos, trabalhem com método: cortando e copiando, como não? Mas faça-se com estilo; não adianta mergulhar em livros de História e fazer copy/paste de factos, como MST faz. Entediante, aborrecido. Imaginem: se os originais já o são, o que será a cópia? Roubar? Em grande. É que enfiar uma frase de Pessoa entre uma exclamação de Virginia Woolf e um longo parágrafo digressional de Saramago não é plágio: é o talento a revelar-se. Não é uma questão de coser os pontos bem cosidos; é saber esconder as costuras. Chatwin conseguiu, mal ou bem - os romances, bom... são fracos; mas os livros de viagem são soberbos. E estou comovidamente grato apenas a ele - porque sei que já pagou as suas próprias dívidas de gratidão aos amigos que conheceu depois de partir. Um copo com Wilde no Paraíso - o sonho de um copista de génio.
O problema, na verdade, é que Miguel Sousa Tavares não plagia. Não tem coragem (ou talento) para tanto. É um enfadonho jornalista a escrever uma reportagem num tom neutro, chatíssimo, sem marca própria, sem nervo, colando com cuspo datas e acontecimentos longínquos numa sequência infindável de personagens que têm tanta profundidade como o papel em que o seu nome é impresso. Resultaria em jornal ou em revista? Não duvido. Resulta como produto de marketing claro e evidente (ser figura televisiva; ter boa figura; ser polémico)? Claro que sim. É literatura? Vasco Pulido Valente já ditou a sentença. Está tudo dito.
Confie nos bons conselhos que lhe dão, homem, plagie, nem sabe o que está a perder (e os seus leitores também)!

(Publicado também no Auto-retrato)

terça-feira, 30 de outubro de 2007

a minha estreia


começava a parecer mal contar com o meu nome na barra lateral e nada postar, verbo metido à bruta pelos bloggers no léxico cá da terra, eu posto, tu postas, ele posta, só o vieira é que não postava, por manifesta preguiça aguda. ou mesmo pela obsessão que o tipo tem pelo seu próprio blogue, misto de atitude umbiguista e... como é que se diz em termos técnicos? ah, parvoíce. por falar em defeitos, traz-me aqui uma leitura que fiz já há umas semanas, leitura essa realizada em grande parte encostado a um ancoradouro de pedra em cacilhas – I luve ya margem sul – e aponto à questão dos defeitos, ou pontos fracos, como soi dizer-se entre os defensores das análises swot, pelo facto de o autor ser brasileiro. e judeu, ainda por cima. e médico, ou seja feiticeiro, porque como se sabe médico no brasil só se for a esmagar plantinhas na amazónia para dar a emborcar aos índios do xingu e aos narcotraficantes lançados de helicóptero pelas máfias rivais. houve muita gente queimada por menos do que isto. e isto, que tem a ver com literatura? tudo. ou melhor, tem tanto a ver com literatura como o título do livro em apreço tem a ver com o seu conteúdo. a orelha de van gogh é um livro de contos. soturno, mordaz, ácido, como eu gosto. o conto que dá título ao livro não é dos mais interessantes embora meta ao barulho uma falsa orelha de celebridade encarquilhada em formol e eu para petisco até prefiro outros acepipes. seja como for, gostei imenso do moacyr e dos seus relatos, são um bálsamo para o meu universo particular, amigo do negrume e do sorriso desconcertante. além disso o autor escreve com a fluidez e o desprendimento que são apanágio da rapaziada de vera cruz [e penso tratar-se da primeira vez que se escreve apanágio neste blogue], impensáveis para os criadores em língua portuguesa que estão aqui no nosso rectângulo; aliás, como se sabe, para se ser escritor em portugal é necessário ser-se deprimido, falar de pechichés e sonhar com lutas no mato apimentadas por turras. ou gostar muito de sofrer. horrores. ou de escrever com o coração, sem se perceber que isso é uma chafurdice tremenda. para cardiotorácica basta-me a escrita cirúrgica do doutor scliar. o livro abre com um monumental conto em que uma família rural enfrenta as pragas do egipto, aquelas mesmas do antigo testamento. não a poluição das pirâmides, os souvenirs medonhos ou a condução anárquica do cairo. um mimo. não me perguntem por gramáticas, complementos, sufixos e figuras de estilo. limito-me a definir a orelha de van gogh em duas palavras: gostei. oops.

Forrageou ou não?

Primeira frase do romance Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez:

«Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que o seu pai o levou para conhecer o gelo.»

Primeira frase do romance Rio das Flores, de Miguel Sousa Tavares:

«Diogo Ascêncio Cortes Ribera Flores – conforme constava do seu registo de baptismo – tinha quinze anos de idade quando o pai o levou pela primeira vez a ver uma tourada.»

Também se faz a mesma pergunta aqui e a devida vénia a José Mario Silva.

domingo, 21 de outubro de 2007

Gabriel García Márquez comemora 25 anos do Prémio Nobel

O escritor colombiano Gabriel García Márquez, que este ano festejou o seu 80º aniversário e o 40º do lançamento da sua maior obra, «Cem Anos de Solidão», comemora hoje os 25 anos do Prémio Nobel de Literatura.

A 21 de Outubro de 1982, a Academia Sueca anunciava que o escritor premiado naquele ano era García Márquez, principal representante do «boom» da América Latina e o maior divulgador do realismo mágico na narrativa hispano-americana.

García Márquez era quem receberia o prémio em Dezembro, em Estocolmo.

O nome do colombiano mais conhecido e o único a receber um Nobel já tinha surgido entre os favoritos da Academia Sueca, tendo como concorrentes o britânico Graham Greene e o alemão Günther Grass.

O aniversário das bodas de prata do prémio soma-se aos 80 anos, completados a 6 de Março, num 2007 cheio de comemorações.

Fonte: sapo.pt (21-10-2007)

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

O Perdão dos Templarios



Comunicado de Imprensa
(da responsabilidade da Editora Zéfiro)

Face às recentes notícias divulgadas pela comunicação social, referentes à publicação pelo Arquivo Secreto do Vaticano do Pergaminho de Chinon e de outros documentos do processo de condenação dos cavaleiros templários, a Zéfiro chama a atenção para o facto de que o mesmo manuscrito já foi publicado em português há precisamente um ano, fruto de um trabalho notável de transcrição, tradução e estudo, na obra "O Perdão dos Templários".

"O Perdão dos Templários" é uma obra que foi lançada pela Zéfiro na Sexta-feira 13 de Outubro de 2006, 699 anos após a perseguição feita aos Templários em França em 1307 pelo Rei Filipe, o Belo. Na época, este facto causou tamanha perplexidade na Europa medieval que deu origem a uma superstição: a Sexta-feira 13 como sendo um dia aziago.

Sendo o resultado de um projecto inédito, a nível mundial, da editora Zéfiro, este livro toma como ponto de partida o Pergaminho de Chinon, um manuscrito encontrado na Biblioteca Secreta do Vaticano em 2001, e que indicia um "perdão secreto" dado aos templários pela Igreja, em 1308 - um ano após a perseguição feita aos cavaleiros. O manuscrito foi transcrito e traduzido pela Drª Filipa Roldão e a Drª Joana Serafim, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, directamente a partir do documento original, em latim medieval. A sua tradução, bem como a transcrição, são publicadas pela primeira vez na língua portuguesa. No interior da obra encontra-se uma cópia a cores da frente e verso do Pergaminho de Chinon.

O conteúdo do pergaminho foi alvo de um estudo atento e meticuloso de Pinharanda Gomes - renomado pensador e investigador português - que aborda um presumível perdão concedido aos templários na «inquirição de Chinon», o Concílio de Viena de França, a Bula Vox in Excelso e a revisão do processo dos cavaleiros do Templo.

Para além da investigação sobre o referido pergaminho, este livro contém diversas revelações, nunca antes publicadas a nível mundial, sobre a Ordem do Templo, bem como outros artigos sobre a história da Ordem desde os seus primórdios, o processo de condenação, a sua continuação em Portugal com a Ordem de Cristo, até às sobrevivências actuais do espírito templário.

Esta obra insere-se na colecção "Arquivos da Cavalaria", que teve o seu lançamento no Convento de Cristo em Tomar no dia 13 de Outubro de 2006.

Uma obra inovadora e de referência que irá, sem dúvida, ajudar a abrir novas portas para o estudo do Templo.

«Perdoados, absolvidos em Chinon; depois acusados, contraditórios, afirmando e negando, de nada lhes valeu, pelo menos em termos de justiça terrestre, a absolvição de Chinon.»
Pinharanda Gomes


«Salvo a honra e o respeito que devo ao soberano pontífice e aos cardeais que atestam as confissões do (grão) mestre, eu não posso crer que ele tenha confessado os crimes de que a Ordem é falsamente acusada.»
Padre Barthélemy de La Tour

Título: O Perdão dos Templários
Autores: Alexandre Gabriel, Eduardo Amarante, José Medeiros, Luís-Carlos Silva, Pinharanda Gomes, Rainer Daehnhardt, Sérgio Sousa-Rodrigues
Editora: Zéfiro
Dimensão: 17 x 24 cm
Nº de págs.: 274
ISBN: 972-8958-22-6
P.V.P. C/ IVA: 23,75 €
P.V.P. Sem IVA: 22,62 €
Colecção: Arquivos da Cavalaria
Categoria: Templários

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Lançamento de Livro

Lançamento do livro Codex Templi (Zéfiro), em Tomar, assinala os 700 anos do mandato de captura de todos os templários em terras francas, declarado por Filipe, o Belo, a 13 de Outubro de 1307.
O lançamento deste livro é acompanhado por um programa de actividades que visam assinalar a data e prestar homenagem a estes Cavaleiros que mudaram a face da Europa (e do Mundo) medieval.
O programa pode ser consultado aqui.

João Aguiar em Florença













A Voz dos Deuses de João Aguiar à venda numa Livraria em Florença...
Viriato o Hispânico...

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Paul Auster

Amanhã, dia 4, entre as 12h00m e as 13h00m, Paul Auster vai estar na Livraria Bulhosa de Entrecampos, para uma sessão de autógrafos, única nesta vinda a Portugal para a apresentação do seu filme A vida interior de Martin Frost.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Contra o fanatismo

"Contra o Fanatismo", de Amos Oz, é um curto ensaio, em três partes, sobre a impossibilidade. Entre Israel e a Palestina não existe apenas um muro e cinquenta anos de ódio cultivado por dois povos que, basicamente, têm a mesma origem étnica: os israelitas e os palestinianos. Não esquecendo que israelita tanto se pode referir a um judeu semita ou a judeu de leste, a um árabe semita ou a um imigrante norte-africano. O problema da nacionalidade é uma mistificação: a nação palestiniana não existe - e dentro da nação israelita, artificial e nascida da culpa do Ocidente em relação ao Holocausto, a verdadeira essência do radicalismo tem outra origem: uma cultura de milénios. A religião, para os israelitas, é, muitas vezes, um pretexto. Não parece ser para os palestinianos, mas, como Oz afirma, o fanatismo antecede qualquer religião, e ultrapassa-a.
E de que impossibilidade falamos? Da impossibilidade de um radical ouvir as vozes moderadas, primeiro, e a outra parte, depois. Da impossibilidade de conseguir que um fundamentalista saia da sua trincheira e tente compreender o que o Outro pensa e sente. E, sobretudo, da impossibilidade da razão se manifestar no meio da loucura fundamentalista. Amos Oz é judeu, mas desde sempre foi crítico de muitas atitudes militaristas e repressoras do estado de Israel em relação à Palestina. É um moderado, mas nunca um pacifista. Uma diferença que ele reafirma, e que o distingue das vozes que defendem uma realidade inconcretizável: a paz perpétua. O pragmatismo de um moderado coloca em prática objectivos realistas, quando estão em causa questões territoriais ou de convívio étnico e religioso. Mais do que isso, de acordo com Oz, o moderado aceita tacitamente a presença do Outro; o radical pretende exterminá-Lo, ainda que finja moderação ou acordo.
Qual o verdadeiro papel da religião, nesta impossibilidade? A religião acaba por ser um pretexto para o radical. É ela que fundamenta as decisões do político radical, é ela que o legitima perante a maioria da população. No conflito israelo-árabe, a sequência é óbvia: à ocupação do território em 1946 segui-se a reacção de quem já lá vivia; ao que se seguiu a consequente retaliação, que rapidamente levou à supressão de um direito fundamental do ser humano: o direito de escolher quem o governa. A democracia israelita, ao mesmo tempo que tem uma representação parlamentar oriunda da minoria árabe, surge em zona de fronteira como um exército repressivo da vontade palestiniana. Talvez Oz leve a argumentação longe de mais ao colocar o ênfase da sua análise na essência do radicalismo. Talvez na realidade o estado judaico esteja apenas a ser pragmático na defesa das suas fronteiras. Haverá ódio a germinar na raiz das decisões israelitas?
No fim, a maior impossibilidade que o ensaio de Oz denota é a da sua voz se fazer ouvir por entre a poeira levantada pelos radicais de ambos os lados. A lucidez de um homem só de nada vale perante a loucura de muitos. E essa é a maior derrota para os dois povos.

(O livro é editado pelo Público)

sábado, 22 de setembro de 2007

A realidade

Durante muitos anos, deitei-me cedo. E, antes de adormecer, lia. Velho hábito, que fui perdendo com os anos, à medida que as horas de sono se foram encurtando, que o cansaço diário se foi fazendo sentir de forma mais intensa. Actualmente, ao fim de algum tempo, caio no sono. Abro o livro, reclinado, mudo de posição várias vezes, a leitura ganha corpo, os olhos vão pesando sobre as letras, a consciência desliza lentamente em direcção aos doces braços do sono - que não recuso, nunca recusei. Nessa dimensão aprendo quase sempre mais do que nesta; os sonhos são a verdade que recusamos ver enquanto acordados.
Por vezes, cruzava as noites a ler; acontecia quase sempre com policiais, o género da aprendizagem. Os primeiros livros que lemos têm de ter aquele gancho, o querer saber quem matou. Quando nos habituamos a outros géneros, o gancho ganha outras formas, mas continua presente. É difícil entrar num livro que nos deixe completamente perdidos, sem farol a indicar o caminho; no entanto, com o tempo resistimos com mais força a essa necessidade. Avançamos às escuras, e por vezes julgamos, no coração da floresta, que o autor nos abandona, sem um propósito aparente - a melhor literatura dos últimos cem anos vive deste artifício. Por que razão Joseph K. é perseguido? O que leva o estrangeiro a matar o homem na praia? O suspense prolonga-se para lá da última linha - e a eterna promessa do policial, a de que no fim tudo será desvendado, fica por cumprir, ou, de outro modo, é deixada nas mãos do leitor. Os livros sem solução são aqueles que oferecem mais respostas - mas nunca certezas. Haverá algo que se aproxime tanto da substância essencial da existência humana?

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Longe de Manaus

O romance da solidão portuguesa

Francisco José Viegas

Edições Asa



Francisco José Viegas é o actual Director da Casa Fernando Pessoa e tem vindo a realizar um trabalho assinalável nesta qualidade, assim como é assinalável todo o trabalho que desenvolveu (e desenvolve ainda) na RDP e RTP para a divulgação da Cultura em geral e do Livro em particular. É também escritor prolífico, dentro do género policial, com obras como Um Crime na Exposição, Morte no Estádio ou As Duas Águas do Mar e ainda Lourenço Marques, este último já num outro registo.

Mas este intróito é praticamente desnecessário, pois desde que Longe de Manaus recebeu o Grande Prémio de Romance e Novela da APE, para o ano de 2005, Francisco José Viegas tornou-se uma referência incontornável no panorama dos autores portugueses contemporâneos.

Longe de Manaus é de facto uma obra que merece distinção. É um livro que sob o ponto de vista puramente técnico tem pouquíssimas falhas a assinalar, o estilo é cativante, fresco e original, e a história muito intrincada, mas excepcionalmente bem esquematizada e absolutamente irrepreensível.

O inspector Jaime Ramos, adepto do FCP, fumador de charutos, cinquentão, solteiro e homem de poucos sorrisos, é um personagem recorrente na obra de FJV, mas não é de todo necessário conhecê-lo de outros livros para a leitura deste Longe de Manaus.

Desta feita, Jaime Ramos tem para resolução um caso que se apresenta com poucas pistas para seguir e não fosse a obstinação deste inspector, provavelmente seria esquecido e arquivado. Mas Jaime Ramos é um homem obstinado, como dissemos, e a sua investigação vai levá-lo a Manaus, uma cidade remota no coração da Amazónia. Pouco se desvela nesta viagem, mas a investigação vai, pouco a pouco, revelando novas pistas e o cenário estende-se a uma tumultuosa Angola de antes da revolução de Abril e em tempo de Guerra. Episódios com mais de 30 anos culminam no crime de assassinato de Álvaro Severiano Furtado, que Jaime Ramos tenta, teimosamente, resolver.

Mas, não vamos levantar o véu sob qualquer outro aspecto da história deste policial que, como diz o autor, subverte as regras deste género; «Um romance policial, como se sabe, tem as suas regras. Este não tem», diz-nos FJV nas primeiras páginas. Diremos apenas que este livro interessará não só aos leitores de policiais, mas também aos leitores de ficção em geral. Mostra-nos que existe literatura de grande qualidade em Portugal. Longe de Manaus não sendo uma obra-prima, é um livro excelente e que satisfaz bastante; é um livro que nos faz querer ler mais FJV e que nos faz acreditar que este escritor tem ainda muito para dar…

domingo, 9 de setembro de 2007

Arte de ler

Como ler um livro? Levante-se da cadeira onde está sentado a olhar para o ecrã, saltando de site em site, entre notícia de jornal virtual e página com conteúdo suspeito, dirija-se à estante e procure entre as lombadas nada menos que o assombro. Sabe que raramente o encontra. Paciência, paciência. O assombro, como algumas mulheres, surge para mudar a vida nas ocasiões mais inesperadas. Pense nisto: um livro pode não mudar a sua vida, mas mudará de certeza as horas a que a ele se dedica. E o modo como pensa a literatura. E, se for mesmo excepcional, a forma como encara a vida. Pouca coisa? Não brinque. Entre esta e outra reflexão, espreite pela janela. Vê o sol, o tempo claro, a vida a correr apressada? Está a ver o que perde? Entre algumas horas de ruído interior, silêncio em volta, e a pressa da vida quotidiana, escolha. As pessoas, claro, são importantes. Mas serão melhores que Emma Bovary, o coronel Aureliano Buendia, Gregor Samsa ou Blimunda e Baltasar?
Regresse às lombadas que gritam. Passe os dedos pelos títulos. Quantos leu, até agora? Pretende resgatar do limbo algum que tenha ficado perdido, entre compra e esquecimento da mesma? Ainda se lembra de ter comprado aquele romance do Chesterton, de lhe terem oferecido aquela antologia de William Blake? De ter roubado, em algum dia perdido nas teias da memória, aquele decisivo diálogo sobre o amor, de Platão, e de o ter partilhado com a sua amada, numa noite fria de inverno, à lareira? Fique aí. Pare. Abra o livro, sinta o papel, as letras impressas, passe o nariz pelo cheiro amarelo que dele emana. Amarelo, sim, amarelo. É sempre amarelo o cheiro de livros velhos. Imagine Jorge Luis Borges na sua biblioteca, ouvindo as palavras dos seus leitores, mergulhado nas silenciosas trevas da cegueira. E as palavras, soando, pairando, em redor, tão imateriais como o ar, cativas de uma matéria primitiva, clarão inicial da inteligência humana. Imagine Borges e o seu olfacto apurado, captando os mil e um cambiantes que as palavras dos outros transmitem.
Imagine que é Borges, e escolha o seu livro pelo cheiro. Pelo tacto. Ignore todo um passado de leituras, de preconceitos e escolhas. A página em branco brilha à sua frente. Ler um livro, como escrever um conto - do nada nasce tudo. Estará pronto para o seu big bang?
Imagina ser isto um exagero? As palavras tendem para o exagero. Mas um livro recusa o excesso, repõe a ordem no mundo. O esquema de um livro serve de modelo para a vida. Já viu como as frases encaixam umas nas outras, em harmonia, ritmadamente, até construirem parágrafos? E os parágrafos, já reparou como se sucedem numa cadência clássica, acompanhando o fluir do pensamento do escritor, a melodia interior que ele cria? Nada existe fora do texto. Conhece alguma vida assim tão perfeita?
Entrou no jogo. Pegou no livro. Sentiu-lhe o pulso. Sentou-se no cadeirão que escolheu, entre dezenas, na loja de móveis. Um livro precisa de conforto. Um livro precisa que ignore a vida que corre lá fora. Quem lê deveria ser obrigado, antes, a fazer um curso de apneia. Mergulhar dentro do livro e tornar-se peixe. Ler não é uma arte. É outrar-se, devir outro. Desaparecer dentro de si próprio. Reconhecer-se.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Ainda o 10 de Junho...

Discurso do Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas
Dr. João Bénard da Costa
Setúbal, 10 de Junho de 2007

"Trinta anos depois do início das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, sob o figurino de que actualmente se revestem, chega, finalmente, a hora e a vez de Setúbal ser palco delas. Se outras justiças não houvesse – e delas falarei mais adiante – justiça poética se cumpriria, pois que o maior poeta desta cidade – a sua figura permanentemente mais celebrada, pelo menos desde que António Feliciano de Castilho lhe promoveu, em 1865, as comemorações do centenário do nascimento – foi o primeiro ou dos primeiros a invocar em verso Camões: "Camões, grande Camões, quão semelhante / Acho teu fado ao meu, quando os cotejo! / Igual causa nos fez, perdendo o Tejo, / Arrostar c'o sacrílego gigante".
Bocage, pois que é dele que falo, não devia imaginar que, com esse célebre soneto em que de Camões disse: "Modelo meu tu és…", estava a inaugurar uma infindável série de poemas em louvor do Poeta de quem celebramos hoje o dia. Pois foi pela voz dele e da geração dele que se estabeleceu – cerca de duzentos anos depois da morte de Camões – a equívoca unanimidade que o proclamou e proclama o luso "Príncipe dos Poetas".
Apesar dos que se precipitaram no século XVII para lhe roubar tudo: "as ideias, as palavras, as imagens / e também as metáforas, os temas, os motivos, / os símbolos, e a primazia / nas dores sofridas de uma língua nova" (estou a citar outro poeta nosso maior, Jorge de Sena, e o admirável poema "Camões dirige-se aos seus contemporâneos") a critica dominante no século XVIII ou esqueceu o poeta, ou verrinosamente o atacou, não reconhecendo essa língua nova. Foram os pré-românticos, como Bocage, ou, depois, os românticos, como Garrett, quem o recuperou, até na imagem mítica que o século XIX tanto alardeou. Falei de "equivoca unanimidade". A expressão aplica-se por igual a Bocage, tantas vezes saudado como o nosso maior poeta depois de Camões.
Mas se lhes demos – a um e a outro – tal assento etéreo, pouco mais lhes demos. Já um dia, num destes discursos, me perguntei e vos perguntei: onde estão as edições criticas de Camões? Para que parte da sua obra se fez fixação do texto? Que sabemos ao certo sobre a sua vida? Com quanta razão disse Sena – cito-o nova e gostamente – "que em matéria de Camões é um perigo dizer seja o que for"? E em matéria de Bocage? Conhecem-se as anedotas, alguns poemas eróticos e é com lembrança delas e deles que encobrimos quase sempre com um sorriso cúmplice (ou malandreco ou pudibundo) as referências ao seu nome. Saberão alguns que, perto da morte, Bocage já se não comparava a Camões, mas a Aretino, o grande poeta renascentista italiano, cuja reputação libidinosa atravessou os séculos. Mas se ao menos Bocage tivesse sido estudado como Aretino o foi! Aquele que chamou aos prazeres seus sócios e seus tiranos, numa analogia deveras singular, não desapareceu "desfeito em vento", numa "cova escura", como profetizou, mas dissolveu-se na nossa ignorância, no contumaz desconhecimento ou desfiguração do nosso património e na insólita relação com a memória que aos portugueses mais parece faltar do que qualquer outro atributo, ou de que os portugueses menos curam do que de qualquer outro atributo. Justiça poética, disse eu que se fazia ao comemorar o Dia de Camões na cidade de Bocage.
E já nem falo no esquecidíssimo Vasco Mousinho de Quevedo, que Faria de Sousa também considerou, no século XVII, "o maior depois de Camões" e de quem se ignoram mesmo as datas de nascimento e morte. Lá o figuraram, no século XIX, aos pés de Camões, na estátua do Chiado, mas não conheço ninguém que tenha lido o seu Afonso Africano, à glória do rei que, sob a luz brilhante aqui de Túbal, partiu em 1458 à conquista de Alcácer Seguer. E estou a citar, mais uma vez, Bocage e o soneto que começa: "Apenas vi do dia a luz brilhante / Lá de Túbal no empório celebrado" Mas outras justiças há, mais ou menos poéticas, de que importa falar nesta cidade de sol e de sal, que é também – convém usar e abusar de poetas neste dia – meu remorso, meu remorso de todos nós. Se tem sido inúmeros os cantores das belezas naturais que a cercam (a Arrábida, Palmela, o Outão) em que Andersen, o dinamarquês dos contos e das maravilhas, dizia, da Quinta das Machadas dos O'Neill em que se hospedou em Portugal, ter encontrado o paraíso terreal, permanece, sobre tais arrobos, a seca síntese de Raul Proença ao escrever que esta "maravilha do décor, da moldura, fazem esquecer o pouco interesse que em si apresenta a cidade – que é um bairro antigo de Lisboa, entre laranjeiras, com o mesmo aspecto das casas, as mesmas ruas estreitas da Mouraria ou do Bairro Alto, e com uma ou outra praçazinha solitária e cheia de sol".
É certo que a cidade, apesar do vestidão dos seus horizontes, sempre se abrigou deles e é certo que é uma das cidades mais secretas de Portugal, no seu aparente enscancaramento. É certo que traços mais primitivos foram abatidos – ainda mais do que em Lisboa – por tremores de terra que parcialmente a destruíram em 1531, 1755 e 1858. É certo que não foi poupada nem pela invasão espanhola de 1580, nem pelos Filipes que não lhe perdoaram o apoio dado ao Prior do Crato, nem pelas invasões francesas, nem pelas guerras civis dos inícios do século XIX. É certo que não podemos imaginar o seu esplendor, quando o Sado chegava onde hoje fica a Avenida Luísa Todi, e holandeses acorreram à cidade em busca do mais precioso dos seus produtos: esse sal, dito o de mais puros cristais da Europa, que serviu de moeda de troca para um acordo com a Holanda, visando a recuperação das colónias de Africa, América e do que restava do Oriente. Sabe-se que, apenas em dez anos, entre 1680 e 1690, saíram de Setúbal 7500 navios carregados de sal para os Países Baixos. "Toda a terra é retalhada do mar, com que juntamente vem a ser mar e terra, e os homens, a que podemos chamar marinhos e terrestres, tanto vivem em um elemento como no outro.
As ruas por uma parte se andam e por outra se navegam, e tanto aparecem sobre os telhados os mastros e as bandeiras, como entre os mastros e as bandeiras, as torres (…). Em muitas partes toma o navio porto à porta do seu dono, amarrando-se a ela e deste modo vem a casa a ser a âncora do navio e o navio a metade da casa, de que igualmente usam". O Padre António Vieira, que tanto usou o sal como metáfora – e, apesar de estar na cidade dele, me guardo prudentemente de citar o Sermão de Santo António aos Peixes ou o que sucede quando o sal não salga e a terra não se deixa salgar – descreveu da maneira que citei Amsterdam, em alusão aos holandeses, ou Setúbal, que ele bem conhecia e onde os holandeses tinham reencontrado uma cidade que, nas mesmas condições, reproduzia o mesmo aspecto? Duvida-se? Pois percorram a cidade velha com atenção (a atenção que não é costume dedicar-lhe) e ainda são várias as casas que, não fora o recurso aos diferentes materiais e métodos de construção, se podem confundir com casas de Amsterdam.~ Cidade secreta, disse eu. Secreta é-o no nascimento como cidade – dela não falam os nossos primeiros cronistas; secreta é a sua evolução entre o foral de D. Afonso II (1249), a lenda da Senhora da Água ou da Senhora Pequenina, a fundação da Casa do Corpo Santo (1340) e a construção das muralhas da vila, ao tempo de D. Afonso IV, para as quais o povo desta cidade se colectou com a primeira siza que houve em Portugal. Mas só no século XV, Setúbal se tornou uma cidade que conta, com a casa Cabedo e o casamento de D. João II com D. Leonor de Lencastre, sua prima direita. Porque escolheu o Príncipe Perfeito Setúbal como cidade da sua predilecção? Como o seu pai o deixara "rei das estradas", para usar expressão do próprio, tantas as benesses que D. Afonso V dera às grandes casas nobres, para destruir esse poder que o ameaçava, nada melhor do que Setúbal que nenhuma grande família escolhera para residência. E foi em Setúbal que aconteceu a "noite de muito grande terror e espanto", como Garcia de Resende se refere à noite de 23 de Agosto de 1484, em que D. João II assassinou por suas próprias mãos o primo e cunhado, o Duque de Viseu, e depois mandou chamar o irmão mais novo daquele, o futuro Rei D. Manuel, para que lhe beijasse a mão real junto ao cadáver do outro irmão da própria mulher. Mas foi esse mesmo D. Manuel quem veio a dar a Setúbal, por foral de 1514, o título de Notável Vila, enquanto nela mandou edificar o seu mais célebre monumento: O Convento de Jesus.
O sangue também se lava com o sal. Nos séculos seguintes os iates do sal, como assim mesmo eram chamados, transportavam das marinhas para o centro da cidade a sua principal riqueza. Se o século XVIII é o século de Bocage, e de Luísa Todi, esses e outros vultos não nasceram na cidade por acaso, mas reflectem tanto uma riqueza comercial que atraíu à cidade banqueiros de Hamburgo (os Torlades) como nela fomentou a criação de academias, como essa chamada adequadamente Problemática, numa cidade que o foi e o continua a ser. Mas Setúbal manteve-se cidade secreta, mesmo em épocas mais recentes. Talvez seja das cidades de Portugal a que tem mais para contar e da qual menos se conta.
Por isso, hoje, tão demoradamente me centrei nela. Este, como ser o dia do Poeta, é o dia das memórias e as memórias valem tanto mais quanto mais esquecidas se tornam. Nesta cidade, que viveu de conservantes, de conservas e de conservações, só a memória se não conservou. Salvaguardar o futuro? Mas o futuro só se salvaguarda quando se restituiu ao tempo o que cada tempo a seu tempo trouxe, verdade elementar mas verdade de que tão pouco curámos e curamos. Senhor Presidente da República: muito obrigado por me ter dado a palavra. Minhas Senhoras e Meus Senhores: muito obrigado por me terem escutado."

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Um Estranho Numa Terra Estranha

Robert A. Heinlein

Europa-América












Este livro conta a história de um homem vindo de Marte que ensinou a humanidade a grocar e a partilhar a água. E a amar.

Entenda-se grocar, segundo a Nota do Editor, como o sentido lato de compreensão total, completa e profunda das coisas.

«Em meados dos anos 60, muitos jovens em rebelião contra os valores mais "sagrados" do sistema americano adoptaram esta obra como um dos estandartes do movimento beatnik.»

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde

Mário de Carvalho

Caminho


Claro está que Mário de Carvalho iria desmentir a ideia de que este livro será uma cripto-crítica à classe política actual (ou a de qualquer tempo).


O que nos fica deste livro é a imagem de um romano com consciência, mas uma consciência de tal forma desenvolvida que lhe arranjou grandes e graves problemas, levando mesmo ao afastamento do seu cargo de duúnviro, de autoridade máxima da pequena povoação romana de Tarcisis – situada, adivinhamos nós, perto do que é hoje o Alandroal, pela proximidade do santuário de Endovélico, a que o autor faz referência.


Não podemos deixar de pensar nos políticos de hoje que, por maiores e mais elevados ideais que tenham, têm de abdicar destes e deixar-se levar pela engrenagem de um sistema pútrido ou, pura e simplesmente, se afastam ou são afastados. E foi isto que acabou por acontecer a Lúcio Valério. Acabou por ser convidado a abdicar do seu cargo, pois estava realmente muito longe dos modelos romanos, nos quais não se revia. Não apreciava os jogos, os deuses nada lhe diziam, procurava justiça nos seus julgamentos em vez de fazer aquilo que sabia que iria agradar ao povo, entre outros “defeitos de carácter” que os seus pares não lhe souberam perdoar.


É o resumo dos acontecimentos que levaram Lúcio ao cargo de duúnviro, até ao seu afastamento, que Mário de Carvalho nos conta com a mestria de um escritor de primeiríssima água. Pelo meio, ficamos a conhecer uma seita que se identifica pelo símbolo do peixe, cujos ritos são por todos temidos e odiados, e cuja existência, naturalmente, muitos problemas levantou ao duúnviro. A invasão dos mouros é ainda outro problema a que Lúcio Valério tem de fazer face, juntando-se a oposição levada a cabo pelo padeiro, filho de um liberto, com a ambição de chegar a edil da cidade; qualquer decisão que Lúcio tomasse iria encontrar um obstáculo. E é esta angústia, este querer fazer sempre o que a sua consciência lhe dita, esta pressão constante que também nós sentimos no desenrolar da história de Lúcio Valério que, para complicar ainda mais, se apaixona por Iunia Cantaber, uma das percursoras do culto cristão, cujo fanatismo é extremo.


Cabe acrescentar ainda que, não sendo um romance histórico – como o autor nos diz: Tarcisis nunca existiu –, as descrições dos espaços, das roupas, das regras e preceitos romanos são de extrema exactidão, o que, aliado a uma escrita no limiar do sublime, nos transporta para atmosferas e ambiências absolutamente extraordinárias.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Portugal e o Quinto Império por Cumprir

Rui Fonseca

Zian Editora

















Caros leitores, aqui marco o meu regresso ao Arte de Ler com um tema que me é muito especial.

O tema do livro em causa encontra eco em grande parte da classe poética portuguesa. No entanto, durante a segunda metade do século XX surgiu um adormecimento desta corrente de pensamento, designada por Sebastianismo. Não esquecendo a complexidade do tema, muitas vezes surge uma interpretação meramente artística de certos "tratados" sobre a temática sebástica. O autor Rui Fonseca, professor de Filosofia no ensino secundário, soube reunir todo um historial cronologicamente organizado, «partindo da raiz da temática (...) analisando alguns enquadramentos históricos que fazem recair sobre a grandiosidade de alguns povos a realização do Quinto Império».

Sem qualquer dúvida trata-se de uma obra interessante, oportuna e bem estruturada sobre esta temática. Contudo, o autor manifesta alguns subtemas algo alheios a temática como «a Declaração de Princípios da Cidadania Planetária». Rui Fonseca acaba por referir de igual forma a questão do antigo regime como: «o fascismo, espelho continuado deste atraso, caiu. E hoje, com o 25 de Abril, os tempos mudaram, as portas abriram-se e o futuro espera-nos». O Quinto Império, é intemporal, sem desenvolvimento politico/partidário, com o fundamento de um Estado Universal, regido por um Rei que terá reunidos em si o poder temporal e espiritual. Não faz sentido referir ao facto histórico da liberdade politica alcançada no 25 de Abril, sem referir acontecimentos políticos de grande importância para Portugal e sua Missão, tais como perda da independência Portuguesa, instauração do Regime Liberal, implantação da República e instalação do Estado Novo. Curiosamente é no período posterior ao 25 de Abril que se nota um maior afastamento literário e poético do mito do Quinto Império.

Penso que este livro é um bom contributo para esta causa, escrito por um livre-pensador, e eu como livre-pensador que sou, escrevo e digo: A Portugal está reservado um grande destino, deixar de ser Portugal e conduzir o Mundo Unido.

Apenas uma nota: curiosamente este livro foi editado no Brasil, pelo que não se entende a sua não edição em Portugal.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

O Segredo - Rhonda Byrne

«O Segredo é neste momento – e de longe – o livro de não ficção mais vendido em todo o mundo.
Só nos Estados Unidos vendeu mais de 3,5 milhões de exemplares e ocupa o primeiro lugar dos principais tops de vendas, onde o respectivo audiobook também figura em destaque.
A autora, Rhonda Byrne, descobriu que a maioria das pessoas que têm ou tiveram sucesso conheciam um Grande Segredo, e dá exemplos que vão desde Einstein a Galileu Galilei. A partir dessa descoberta, ela foi procurar pessoas que actualmente conhecessem o Segredo e vivessem de acordo com ele (como, por exemplo, o autor de Conversas com Deus ou o autor de Os Homens São de Marte as Mulheres São de Vénus). Falou com elas, entrevistou-as, e através do testemunho delas vai explicando no livro a “lei da atracção”: nós atraímos aquilo que queremos atrair e, se queremos atrair o sucesso, conseguimos atrair o sucesso.
Na origem do livro está um documentário feito para a televisão australiana que se tornou num sucesso global – é, presentemente, o DVD mais vendido em todo mundo, e mesmo em Portugal há sessões regulares de exibição e documentário. Ou seja, um fenómeno de culto.
Nos últimos dois meses O Segredo tem ocupado o primeiro lugar no top de livros da Amazon americana (entre os títulos de não ficção), enquanto o audiobook figura sempre entre os dez primeiros lugares.
O Segredo está no primeiro lugar do top da Publishers Weekly na categoria de não ficção.
O Segredo esteve ou está nos primeiros lugares dos tops do New York Times, USA TODAY.»

É isto que encontramos no site da fnac.
Ainda não li, mas estou a pensar em fazê-lo.
Parece que a "onda" do pensamento positivo é atraente para a generalidade das pessoas, no entanto pergunto-me "atrair aquilo que queremos atrair".
A finalidade será só o sucesso?
Atrair sem prejudicar ninguém?
hummm

Vou ter de ler primeiro para depois opinar qualquer coisa...

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Reactivar

Caros companheiros,

O que me dizem se vos propuser reactivar este blogue?

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