sábado, 22 de setembro de 2007

A realidade

Durante muitos anos, deitei-me cedo. E, antes de adormecer, lia. Velho hábito, que fui perdendo com os anos, à medida que as horas de sono se foram encurtando, que o cansaço diário se foi fazendo sentir de forma mais intensa. Actualmente, ao fim de algum tempo, caio no sono. Abro o livro, reclinado, mudo de posição várias vezes, a leitura ganha corpo, os olhos vão pesando sobre as letras, a consciência desliza lentamente em direcção aos doces braços do sono - que não recuso, nunca recusei. Nessa dimensão aprendo quase sempre mais do que nesta; os sonhos são a verdade que recusamos ver enquanto acordados.
Por vezes, cruzava as noites a ler; acontecia quase sempre com policiais, o género da aprendizagem. Os primeiros livros que lemos têm de ter aquele gancho, o querer saber quem matou. Quando nos habituamos a outros géneros, o gancho ganha outras formas, mas continua presente. É difícil entrar num livro que nos deixe completamente perdidos, sem farol a indicar o caminho; no entanto, com o tempo resistimos com mais força a essa necessidade. Avançamos às escuras, e por vezes julgamos, no coração da floresta, que o autor nos abandona, sem um propósito aparente - a melhor literatura dos últimos cem anos vive deste artifício. Por que razão Joseph K. é perseguido? O que leva o estrangeiro a matar o homem na praia? O suspense prolonga-se para lá da última linha - e a eterna promessa do policial, a de que no fim tudo será desvendado, fica por cumprir, ou, de outro modo, é deixada nas mãos do leitor. Os livros sem solução são aqueles que oferecem mais respostas - mas nunca certezas. Haverá algo que se aproxime tanto da substância essencial da existência humana?

1 comentário:

Luís Daehnhardt disse...

O Amigo Sérgio está com receio de estar a subverter o sentido deste blogue, ao não fazer recensão de qualquer livro, mas a deixar as suas reflexões à volta do tema da leitura. Ora, meu caro Amigo, se for para publicar textos desta qualidade, por favor esteja à vontade para subverter. Subverta, subverta como se não houvesse amanhã!...

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